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Fernando Pessoa

34. Verdade

A existência é reflexo de um outro mundo oculto.
[ilustração: Fernando de Azevedo. Desenho (Tabac). 1952
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«Somos sombras de quem somos.»

Neste mundo em que esquecemos

Somos sombras de quem somos,

E os gestos reais que temos

No outro em que, almas, vivemos,

São aqui esgares e assomos.

Tudo é nocturno e confuso

No que entre nós aqui há.

Projecções, fumo difuso

Do lume que brilha ocluso

Ao olhar que a vida dá.

Mas um ou outro, um momento.

Olhando bem, pode ver

Na sombra e seu movimento

Qual no outro mundo é o intento

Do gesto que o faz viver.

E então encontra o sentido

Do que aqui está a esgarar,

E volve ao seu corpo ido,

Imaginado e entendido,

A intuição de um olhar.

Sombra do corpo saudosa,

Mentira que sente o laço

Que a liga à maravilhosa

Verdade que a lança, ansiosa,

No chão do tempo e do espaço.

9-5-1934

Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).

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