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Fausto

10. Verdade

A morte é a ameaça de conhecer o maior horror, a verdade.
[ilustração: Joseph Wright of Derby (1734-1797). »O Velho Homem e a Morte» (porm.)
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«E nessa hora em que eu e a morte nos encontrarmos, o que verei? o que saberei?»
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Só uma cousa me apavora

A esta hora, a toda a hora:

É que verei a morte frente a frente,

Inevitavelmente.

Ah, este horror, como poder dizer?

Não lhe poder fugir! Não podê-lo esquecer!

E nessa hora em que eu e a Morte

Nos encontrarmos

O que verei? o que saberei?

O que não verei? o que não saberei?

Horror! A vida é má e é má a morte,

Mas quisera viver eternamente

Sem saber nunca, (...) e inconsciente

Isso que a morte traz e  (...)

Não me tenta o mistério

Nem desejo saber

O que é que vai do berço ao cemitério

No ardor chamado viver.

A verdade apavora-me e confrange,

Perturba-me como a ninguém.

Que o tempo cesse!

Que pare e fique sempre este momento!

Que eu nunca me aproxime desse

Horror que mata o pensamento!

Envolvei-me, fechai-me dentro em vós

E que eu não morra nunca.

Odeio a vida, amarga-me e horroriza.

Mas a morte — oh a morte, velada

O próprio horror dentro em mim paralisa

Deixando a dor funda e estagnada.

Horror! Horror! O tempo, oh vidas com vida!

Mistérios menores onde esquecer

Se pode a mor dor indefinida,

Menos horrorosos porque não sabeis dizer

Esse segredo que dito deveis trazer.

Não me deixeis morrer...

1-3-1909

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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1ª versão inc.: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p.135).