Fausto
1. Mistério
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«O único mistério no universo é haver um mistério do universo.»
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O único mistério no universo
É haver um mistério do universo.
Sim, este sol que sem querer ilumina
A terra e as árvores, e as estações todas;
As pedras em que eu piso, as casas brancas,
Os homens, o convívio humano, a história,
O que se passa — tradição ou fala —
Entre alma e alma — as vozes, as cidades —
Tudo nem traz consigo a explicação
De existir, nem tem boca com que fale.
Por que razão não raia o sol dizendo
O que é? Por que motivo sossegado
Existem pedras sob os meus passos, e ar
Que eu respiro, e eu preciso respirar?
Tudo é uma máquina monstruosa e absurda.
Com todo o corpo e o ver [?], terra da alma,
Ignoramos.
Por que há? Por que há um universo?
Por que é um universo que é este?
Por que é assim composto o universo?
Por que há? Por que há o que há?
Por que há mundo, e porque é que há mundo assim?
For que há aqui, dores, consciência e diferença?
Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.
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