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Fausto

2. Conhecimento

Mas o conhecimento da ciência não lhe permite chegar ao Mistério.
[ilustração: Mário Botas. «Lychee». 1982. Col. Fondation Casa-museu Mário Botas.
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«Queria ao menos poder crer que, lendo, no fim alguma cousa me ficava do essencial do mundo.»
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Não leio já; queria abrir um livro

E ver, de chofre, ali, a ciência toda...

Queria ao menos poder crer que, lendo,

E em prolongadas horas lendo e lendo,

No fim alguma cousa me ficava

Do essencial do mundo, que eu subia

Até ao menos cada vez mais perto

Do mistério... Que ele, inda que inatingido,

Ao menos dele que eu [me] aproximava...

Não fosse tudo um (...)

Como uma criança que a fingir sobe

Uns degraus que pintou no chão...

Não leio. Horas intérminas, perdido

De tudo, salvo de uma dolorosa

Consciência vazia de mim próprio,

Como um frio numa noite intensa,

Em frente ao livro aberto vivo e morro...

Nada... E a impaciência fria e dolorosa

De ler p'ra não sonhar e ter perdido

O sonho! Assim como um (...) engenho

Que, abandonado, em vão trabalha ainda,

Sem nexo, sem propósito, eu môo

E remôo a ilusão do pensamento...

E hora a hora na minha estéril alma

Mais fundo o abismo entre meu ser e mim

Se abre, e nesse (...) abismo não há nada...

Ditoso o tempo em que eu sonhava, e às vezes

Eu parava de ler para seguir

Os cortejos em mim... Amor, orgulho,

— Crenças inda! — pintavam os meus sonhos...

E com muita insistência[?], eu era (...)

O amante de belezas (...)

E o rei de povos vagos e submissos;

E quer em braços que eu sonhava, ou entre

As filas (...) prostradas, eu vivia

Sublimes nadas, alegrias sem cor.

Mas

Hoje nenhuma imagem, nenhum vulto

Evoco em mim... Só um deserto aonde

Não a cor dum areal, nem um ar morto

Posso sonhar... Mas tendo só a ideia,

Tendo da cor o pensamento apenas,

Vazio, oco, sem calor nem frio,

Sem posição, nem direcção, nem (...)

Só o vazio lugar do pensamento...

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva . Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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