Fausto
3. Universo
anterior seguinte | |
«Esse Deus, com seu universo real e eterno, é um átomo num mundo de universos.»
|
Em Mim
Paro à beira de mim e me debruço...
Abismo... E nesse abismo o Universo
Com seu Tempo e seu Espaço é um astro e nesse
Abismo há outros universos, outras
Formas de Ser com outros Tempos, Espaços
E outras vidas diversas desta vida...
O espírito é antes estrela... O Deus pensado
É um sol... E há mais Deuses, mais espíritos
Doutras maneiras de Realidade...
E eu precipito-me no abismo, e fico
Em mim... E nunca desço... E fecho os olhos
E sonho — e acordo para a Natureza...
Assim eu volto a Mim e à Vida...
Inclino o meu ouvido para mim
E escuto... Um Deus Real e Verdadeiro
Criou nosso universo em sua dupla
Unidade divina de corpo e alma... E esse
Deus, com seu Universo real e eterno,
É um átomo num mundo de universos.
Inextricavelmente
Há outras realidades.
É saber isto que me faz alheio
À vida e pálido entre a humanidade...
Deus a si próprio não se compreende.
Sua origem é mais divina que ele,
E ele não tem origem que as palavras
Possam fazer pensar...
Fecha as portas da Alma! Faze ruído!
Agita, grito, o teu externo Ser,
Encobre-me a Presença do Mistério!
Pode ser que mundo possuamos
Um paraíso eterno, e vida divina
Seja (ó relâmpago do pensamento!)
A realidade! A ilusão talvez
Dure pra sempre... Quem criou um átomo
Ainda por criar
Pode criar uma ilusão eterna...
Altitude! Altitude! Não respiro!
Passei além da Realidade, ergui-me
Acima da Verdade... Deus... O Ser
O abstracto ser em sua abstracta ideia
Esse próprio, o mesmo sonho divino (?(
Apagou-se e eu fiquei na noite eterna
Eu e o Mistério face a face...
Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.
- 70.1ª versão inc: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966. p.83).