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Fausto

5. Felicidade

Só os inconscientes podem ser felizes, mas não o sabem.
[ilustração: Bruegel (1525-1569). Ceia de Casamento (porm). 1568. Museu de Viena.
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«A Vossa vida foi contudo feliz, enquanto a minha... oh horror! horror!»
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Fausto perante o povo alegre

Alegres camponeses, raparigas

Alegres e ditosas,

Como me amarga n'alma essa alegria!

Vendo-a, que bem sinto que nunca a tive!

Nem em criança, ser predestinado,

Alegre era eu assim; no meu brincar

Nas minhas ilusões de infância eu punha

O mal da minha predestinação.

Ao ver vosso dançar, ouvindo

Vossas cantigas

Sobe em mim um amargor que me estonteia

E me faz odiar e desejar.

Odiar o quê e desejar o quê?

Não sei: sei que odeio e que desejo.

Folgai — sinto a ironia dessa vida —

Danças e cantos e a morte avança...

Mas que importa?

Tendes razão — se tendes! -

Vem a morte e nos leva, e a Vossa vida

Envolvida em inconsciências fundas

Foi contudo feliz, enquanto a minha...

Que dizer dela?

Oh horror! horror!

Não nasce em mim nem sombra de alegria

Longínquo e exilado.

Acabemos com esta vida assim!

Acabemos! o modo pouco importa!

Sofrer mais já não posso. Pois verei —

Eu, Fausto, aqueles que não sentem bem

Toda a extensão da felicidade

Gozá-la?

              Eu que adaptado tenho

A sensações profundas todo o ser

Não as sentir? Ferve a revolta em mim

Contra a causa da vida que me fez

Qual sou. Eu morrerei e deixarei

Neste mundo isto apenas: uma vida

Sem prazer e sem gozo, sem amor,

Só imersa em estéril pensamento

E desprezo (...) da humanidade.

Mas eu, como entrarei naquela vida?

Eu não nasci para ela.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva . Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 14.

1ª versão inc.:

“Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos . Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p.114).