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Fausto

6. Sonho

A vida é sonho, e a realidade está para além da morte.
[ilustração: Claude Lorraine (1600-1682). O Embarque de Sta. Úrsula (porm.).
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«Pudesse eu, sim pudesse, eternamente, viver sempre este sonho que é a vida!»
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Basta ser breve e transitória a vida

Para ser sonho. A mim, como a quem sonha,

E obscuramente pesa a certa mágoa

De ter que despertar — a mim a morte

Mais como o horror de me tirar o sonho

E dar-me a realidade me apavora,

Que como morte. Quantas vezes, (...),

Em sonhos vários conscientemente

Imersos, nos não pesa ter que ver

A realidade e o dia!

Sim, este mundo com seu céu e terra,

Com seus mares e rios e montanhas,

Com seus arbustos, aves, bichos, homens

Com o que o homem, com translata arte

De qualquer outra, divina, faz —

Casas, cidades, cousas, modos —

Este mundo que sonho reconheço,

Por sonho amo, e por ser sonho o não

Quisera deixar nunca, e por ser certo

Que terei que deixá-lo e ver verdade,

Me toma a gorja com horror de negro

O pensamento da hora inevitável,

E a verdade da morte me confrange.

Pudesse eu, sim pudesse, eternamente

Alheio ao verdadeiro ser do mundo,

Viver sempre este sonho que é a vida!

Expulso embora da divina essência,

Ficção fingindo, vã mentira eterna,

Alma-sonho, que eu nunca despertasse!

Suave me é o sonho, e a vida porque é

Temo a verdade e a verdadeira vida.

Quantas vezes, pesada a vida, busco

No seio maternal da noite e do erro,

O alívio de sonhar, dormindo; e o sonho

Uma perfeita vida me parece...

Perfeita porque falsa, e porventura

Porque depressa passa. E assim é a vida.

3-3-1928

Fausto - Tragédia Subjectiva . Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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1ª versão: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos . Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p.92).