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Fausto

7. Lucifer

A procura da verdade é um desafio luciferino.
[ilustração: Escritor “maçónico”. Gravura do sec. XIX.
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«Sou morte, porque sei que o infinito é limitado, e assim Deus morre em mim.»
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                LUCIFER:

Como quando o mortal, que a terra habita,

Aprende que esse céu todo estrelado

É cheio de outros mundos, na infinita

Pluralidade do criado,

E um abismo se lhe abre na consciência

E uma realidade invisível gela,

Seu sentimento da existência,

E um novo ser-de-tudo se revela,

Assim, pensando e, a meu modo, vendo

Na interna imensidão do espaço abstracto,

Fui como deuses vários conhecendo,

Todos eternos e infinitos sendo,

Os astros.

E vi que Deus, se é tudo para o mundo,

Se a substância e o ser do nosso ser

Não é o único Deus mais que profundo.

Há infinitos de infinitos.

Por isso, Deus é eterno e infinito, e tudo,

Sim mesmo o tudo que é, Deus o transcende.

Porém muita ciência a mais ascende

Que a esse único Deus que a tudo excede.

Além do transcender-se que Deus é.

E ergui então a voz amargurada,

Porque o conhecimento transcendente

Deixa a alma exânime e gelada.

E clamei contra Deus o além-Deus,

Disse aos meus pares o segredo ominoso.

Eterno condenado, errarei sempre

Sempre maldito,

Porque este mundo (...)

Só sendo mais que Deus eu poderia

Transcender o infinito do infinito

E nascer para o inumerável dia...

Como, banido, o arqueiro Filoctetes

Sou só na alma porque vi o abismo.

Excluso eterno (...)

A vida pávida que cismo.

Sou morte, porque sei que o infinito,

É limitado, e assim Deus morre em mim.

Deus sabe que é uno, um e infinito,

Mas eu sei que Deus, sendo-o, não o é.

Mais longe que Deus vai meu ser proscrito.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva . Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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