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Fausto

8. Loucura

Todos os génios foram loucos: Cristo, Buda, Goethe e Shakespeare.
[ilustração: Escher (1898-1972). Côncavo e Convexo.
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Só a loucura é que é grande! E só ela é que é feliz!
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                CRISTO:

A sonhar eu venci mundos,

Minha vida um sonho foi.

Cerra teus olhos profundos

Para a verdade que dói.

A Ilusão é mãe da vida:

Fui doido e tido por Deus.

Só a loucura incompreendida

Vai avante para os céus.

Cheio de dor e de susto

Toda a vida delirei,

E assim fui ao céu sem custo,

Nem por que lá fui eu sei.

Meu egoísmo e vã preguiça

Um choroso amor gerou;

De ser Deus tive a cobiça,

Vê se sou Deus ou não sou!

Como tu eu não fui nada,

E vales mais do que eu;

Nada eu. De alucinada

Minha alma a si se envolveu

Na inconsciência profunda

Que nunca deixa infeliz

Ser de todo — e assim se funda

Uma fé — vê quem o diz.

Assim sou e em meu nome

Inda muitos o serão;

Um Deus — supremo renome,

E doido! — suma abjecção.

                CORO DE VOZES MÁSCULAS:

Através de ferro e fogo

        Por ti iremos

Ver a pugna. Por teu Nome logo

        Iremos.

No combate, na fogueira,

        Cessaremos

Mortos, mortos.

               BUDA:

O meu sonho foi incompleto

Por isso eu compreendi

Que sofrer é o nome do trajecto

Que o mundo faz de si a si.

                GOETHE:

Do fundo da inconsciência

Da alma sobriamente louca

Tirei poesia e ciência

E não pouca.

Maravilha do inconsciente!

Em sonhos sonhos criei

E o mundo atónito sente

Como é belo o que lhe dei.

               SHAKESPEARE:

E é loucura a inspiração!

               VOZES:

Só a loucura é que é grande!

E só ela é que é feliz!

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 34.

1ª versão inc.: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p. 99, 100).