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Álvaro de Campos

18. Loucura

A angústia que traz do passado impede-o de se encontrar a si mesmo.
[ilustração: Almada Negreiros (1893-1970). Paisagem - Casa cara. Col. part. Lisboa.
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«Estou doido a frio, estou lúcido e louco, estou alheio a tudo e igual a todos.»

Ora até que enfim..., perfeitamente...

Cá está ela!

Tenho a loucura exactamente na cabeça.

Meu coração estoirou como uma bomba de pataco,

E a minha cabeça teve o sobressalto pela espinha acima...

Graças a Deus que estou doido!

Que tudo quanto dei me voltou em lixo,

E, como cuspo atirado ao vento,

Me dispersou pela cara livre!

Que tudo quanto fui se me atou aos pés,

Como a serapilheira para embrulhar coisa nenhuma!

Que tudo quanto pensei me faz cócegas na garganta

E me quer fazer vomitar sem eu ter comido nada!

Graças a Deus, porque, como na bebedeira,

Isto é uma solução.

Arre, encontrei uma solução, e foi preciso o estômago!

Encontrei uma verdade, senti-a com os intestinos!

Poesia transcendental, já a fiz também!

Grandes raptos líricos, também já por cá passaram!

A organização de poemas relativos à vastidão de cada assunto resolvido em vários —

Também não é novidade.

Tenho vontade de vomitar, e de me vomitar a mim...

Tenho uma náusea que, se pudesse comer o universo para o despejar na pia, comia-o.

Com esforço, mas era para bom fim.

Ao menos era para um fim.

E assim como sou não tenho nem fim nem vida...

s.d.

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

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