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Fausto

13. Amor

Mas, preso nas malhas da consciência, é incapaz de amar.
[ilustração: Fuseli (1741-1825). «O Pesadelo» (porm.)
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«Quero falar ternura e não o sei; tenho a alma fria — oh raiva! é impossível.»
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                FAUSTO:  

Reza por mim Maria

                MARIA:

(Rezo por ti? Sim rezarei. Mas o que tens?)

                FAUSTO:

Reza por mim e diz a Deus (...)

Reza por mim, Maria, e eu sentirei

Uma calma d'amor sobre o meu ser,

Como o luar sobre um lago estagnado,

A fazê-lo um milagre de beleza.

Reza por mim e diz: Oh Deus, meu Deus,

Fazei-o inda feliz esse a quem amo

(Se é que me amas...).

                MARIA:

Inda duvidas, meu amor?

                FAUSTO:

Dize: Fazei feliz esse a quem amo

E que, qual condenado pela vida,

Arrasta a grilheta da dor,

Cujos olhos não choram por não ter

Na alma já lágrimas p'ra chorar,

Que, tendo erguido o seu pensar ao cume

Do humano pensar... Não, não importa,

Não digas nada, reza e que a tua alma,

Compadecendo-se de mim encontre

Os termos, as palavras que na prece

Murmurará... Choras? Fiz-te chorar?

                MARIA:

Sim... Não... Eu choro apenas de te ver

Triste e (...) sem que eu compreenda

Tua tristeza, meu amor. Vem ela

De alguma dor — oh dize-me, partilha

Comigo a tua dor que eu te darei

O meu carinho, porque te amo tanto...

                FAUSTO:

Tu amas-me, tu amas-me, Maria?

                MARIA:

Ah, tu duvidas? Meu amor, duvidas?

Temes talvez que o meu acanhamento,

Que vem d'amor, eu não sei como, seja

Indiferença... Não... ah não o creias!

Eu não tenho a viveza, nem a ardência

Que algumas têm, tremo de mim mesma

Do meu amor, mas eu não sei por quê...

Mas amo-te... Se te amo, porque hás-de

Tu duvidar de mim?

Ah, se palavras

Podem levar a alma nelas, Fausto,

Se o amor, este amor como eu sinto,

Pode dizer-se sem o duvidar

Se o que eu sinto em minha alma quando te vejo

Quando sinto o teu passo, quando penso

Em ti, amor, em ti, se olhares, beijos

Podem mostrar o amor, todo o amor —

Crê que as minhas palavras, os meus beijos,

O meu olhar têm esse amor.

                          Se eu não posso

Gritar:amor, amor, ardentemente

E desmedidamente, e a voz em fogo,

É que em mim mesmo, nasce-me um pudor

De o dizer muito alto (mas não creias

Que é por amar-te pouco, que só é

De amar-te muito e amar-te como te amo)

Se isto não faço, não duvides, não...

Eu não sei dizer mais; não aprendi

Como o amor fala não, não aprendi,

Porque o amor não fala, não pode

Dizer-se todo, senão não seria

Amor, ao menos este amor que eu sinto.

Não sei, não sei dizer-te... Não duvides!

Eu pareço talvez fria aos teus olhos;

Não duvides que eu sofra muito, muito

Por duvidares

E eu amo-te... Meu Deus, como eu te amo!

                FAUSTO (aparte):

Como eu sinto de ouvi-la e de sentir

(Sentir pelo meu pensamento) quanto

É aquele amor e como ele é amor,

Minha alma fria, meu coração frio!

Aquilo é amor... Eu, pois, nunca amarei...

Que ela fala e eu compreendo (se compreendo!

Quanto ela ama, como ela fala amor).

Nada sinto em mim que nasça, surja

E vá de encontro ao seu amor. Não posso

Fazer erguer em mim um sentimento

Que dê as mãos àquele. E, de o não poder,

Eu mais frio me sinto, mais pesado

N'alma, na minha desconsolação.

Como me sinto falso, falso a mim mesmo,

Falso à existência, falso à vida, ao amor!

                (alto)   

Perdoa, amor

                (aparte)

Amor! Como me amarga

De vazia em meu ser esta palavra!

Como de isso assim ser me encolerizo!

                (alto)   

Perdoa, meu amor!

Cedo aprendi a duvidar de tudo

Por duvidar de mim, sem o querer,

Sem razão de o querer ou de o pensar

Durante em honras, amor, felicidade...

Em tudo... Mas eu creio em ti, Maria,

Eu creio em ti... Como és bela! Não, não chores,

Quero falar ternura e não o sei;

Tenho a alma fria — oh raiva! é impossível.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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