Filosofia
7. Conhecimento
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«O nosso espírito não nos é dado como realidade, mas apenas como meio de conhecer a realidade.»
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OS DEUSES: DEFESA DELES
Temos, como único dado sintético da experiência, a realidade exterior como realidade concreta; o nosso espírito, embora possa ser real, não nos é dado como realidade, mas apenas como meio de conhecer a realidade. Não temos o direito de afirmar que é realmente real o que é, não a realidade, mas apenas o meio de a conhecermos.
De três maneiras trabalha o espírito no conhecimento da realidade. Certas faculdades suas andam envolvidas directamente nesse conhecimento: são as faculdades de percepção e de reminiscência, por exemplo. Outras faculdades sem andarem envolvidas nesse conhecimento, criam para nós maneiras de o utilizarmos. São as faculdades de raciocínio. Outros ainda, o último grupo, servem o fim de nos separarem [?] da realidade: são as faculdades de ordem imaginativa, que criam outra realidade, que nós sabemos fictícia, mas que deleita por não ser aquela que nos é quotidiana, e por ser uma realidade que é nossa, que nos não é imposta. Esta divisão das faculdades do espírito não é minha apenas; Bacon a formou, e nela deu apoio ao seu sistema de classificação das actividades humanas intelectuais.
O terceiro grupo de faculdades — o das imaginativas — serve o fim de agirmos sobre a realidade para melhor nos acomodarmos a ela.
As imagens, as presentações — toda a espécie de ideias que podemos designar por concretas — formam a substância da primeira sorte de actividade. Estas ideias, mais ou menos — consoante a perfeição e a normalidade [?] aproximativa do cérebro que as recebe — correspondem à realidade verdadeira.
A segunda espécie de faculdades, as intelectuais, trabalha com as ideias abstractas. Não correspondem estas a uma realidade qualquer; o pensamento, cuja substância elas são, não tem por fim reproduzir a realidade porém apenas adaptá-la a nós, que somos, por imperfeitos, crianças [?]. Sem as ideias abstractas não haveria, a bem dizer, a linguagem, sem a qual não comunicaríamos nem seríamos homens. As ideias concretas existem para nos dar a Realidade; as abstractas para nos dar a Utilidade.
As ideias, de espécie intermédia, que constituem a matéria da imaginação, nem correspondem a uma realidade, como as ideias concretas, nem, como as abstractas, deixam de corresponder a ela. Nem são, como as primeiras, verdadeiras; nem, como as segundas, organicamente falsas, e verdadeiras só em relação a nós [?] e a serem usadas. Não são reais porque não vêm pelos sentidos, por onde nos vem a realidade; mas não são irreais, porque a sua natureza é análoga à dos objectos que os sentidos nos dão, e, quando as empregamos, produzimos coisas que são reais, como quando, inventando um aparelho, uma máquina, o executo, e ele passa a ser uma coisa real, e uma, ainda, adentro das coisas reais. A imaginação combina o real para o renovar humanamente. A criança que, divertindo-se, sotopõe uma pedra a outra pedra, pratica um acto símplice de artista, porque, embora sem gosto [?], combina coisas reais na realidade.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença,
1994.
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