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Filosofia

5. Ilusão

Todas as verdades, todos os sistemas, são ilusão.
[ilustração: Cruzeiro Seixas. «Queda livre no infinito».
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«Há vários sistemas do universo, todos eles reais.»
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O DESCONHECIDO

Tudo é ilusão (1).

A ilusão do pensamento, a do sentimento, a da vontade. Tudo é criação, e toda a criação é ilusão.

Criar é mentir.

Para pensar o não‑ser criamo‑lo, passa a ser uma coisa. Todos os que pensam ocultistamente criam em absoluto todo um sistema do Universo, que fica sendo real. Ainda que se contradigam: há vários sistemas do universo, todos eles reais.

Nós próprios, porque existimos, somos criações também, portanto ilusões. Mas somos criações de quem? Do Deus que nós‑próprios criámos? Como se o criámos nós, e lhe somos portanto anteriores ? Isso é supondo real o tempo, que é outra criação nossa. Tudo é um amontoado de ilusões.

Aquilo a que chamamos verdade é aquilo a que também chamamos o ser. Verdadeiro é o que é. Mas o que é é ilusão. Por isso a verdade é a ilusão, é uma ilusão.

A que abismo vamos ter?

Quanto mais forte o pensamento, o sentimento, a vontade, maior o poder criador.

O que a ocultistas é verificável é falso. Há imortalidade, mesmo eternidade da alma, mas isto é falso. Há um Deus eterno, criador do céu e da terra, e isto é falso. Ser é não‑ser.

Nunca podemos deixar de criar, por isso nunca podemos deixar de mentir.

A própria ilusão é uma ilusão.

O que nós não sentimos não existe. O que nós sentimos (...)

Só há uma coisa que não pode ser ilusão, porque ela não é criada: é a consciência. Uma só coisa escapa a toda a crítica — a consciência. A consciência não cria, nem é um conceito nosso, porque a não podemos pensar nem como sendo, nem como não‑sendo. Pensar, sentir, querer, são ilusões; mas ter consciência não é uma ilusão.

A verdade é da consciência para lá. «Deus» é a consciência da consciência, coisa que não podemos pensar.

A consciência não é concreta nem abstracta, não é um ser nem não‑ser.

Na proporção em que a consciência é uma ideia nessa é falsa.

Existem realmente Deus, céu, anjos, almas imortais e eternas. E contudo nada disso é verdade. Existe e dura eternamente, mas é falso.

O niilismo transcendental ...

Temos todos a noção de que há qualquer coisa: isso é falso. Não há; não há nem não há. A própria consciência não existe, mas é a única verdade.

Não haverá graus na ilusão? Quanto mais criadora uma coisa é mais ilusória. Partindo do nosso espírito, vemos quais as maiores ilusões ...

(1) Tudo se reduz a criar.

Tudo se reduz a iludir-se.

Portanto criar é mentir.

1915?

Textos Filosóficos . Vol. I. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968 (imp. 1993).

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