Proj-logo

MultiPessoa

LABIRINTO · PESSOANA · VÍDEO · JOGOS · INFO

Filosofia

10. Platonismo

Para António Mora, o erro da teoria platónica consiste em atribuir às ideias abstractas as qualidade da experiência concreta.
[ilustração: Magritte (1898-1967). «A Reprodução interdita» (porm.)
] anterior seguinte
«Toda a filosofia dos místicos cai por este alçapão.»
pdf

António Mora:

TEORIA DO DUALISMO

A «realidade» — num sentido mais lato do que se permite — divide‑se em duas categorias: a Consciência e a Realidade. Uma é o com que se «percebe» o mundo exterior; outra é esse próprio mundo exterior.

A filosofia pecou de duas maneiras: (1) tomando a ideia de individualidade por sinónima com a ideia de Consciência — de onde os erros metafísicos da imortalidade da alma , da existência da alma individual ; (...) (2) tomando a ideia de individualidade por sinónima com a ideia de Realidade — de onde erros como a ideia de Natureza (conjunto exterior).

Toda a filosofia é um antropomorfismo. O erro fundamental é admitir como real a alma do indivíduo, o erigir a consciência do indivíduo em consciência absoluta e a Realidade em individualidade. lndividuar a Realidade eis o primeiro grande erro. Individuar a Consciência — eis o segundo grande erro.

                                 *

As teorias filosóficas enfermam dos erros seguintes:

(1) O erro antropocêntrico ou antropomórfico, que consiste em atribuir, quer à Realidade, quer à Consciência, qualidades que pertencem simplesmente à Individualidade.

(2) O erro de atribuir à Consciência qualidades atribuíveis só à Realidade: o erro realista.

(3) O erro de atribuir à Realidade qualidades que pertencem, ou se podendo conceber como pertencendo, apenas à Consciência; o erro animista.

                                  *

A arte é essencialmente Erro.

                                *

A ideia de Deus é um antropomorfismo da Consciência. É atribuir individualidade à Consciência.

A ideia de Natureza é um antropomorfismo da Realidade. É atribuir individualidade à Realidade.

O facto é que se pode atribuir individualidade a uma coisa — à individualidade.

                                *

Pascal, quando disse que colhemos apenas «quelque apparence du milieu des choses» foi generoso para com a nossa ignorância. Nem desse sonho de sapiente nos podemos, homens, orgulhar.

                                *

Todo o nosso trabalho mental orienta‑se sobre 3 ideias que sem cessar confunde e mistura:

(1) a ideia da Consciência.

(2) »    »     » Realidade.

(3) »    »     » Individualidade.

(1) O erro egomórfico.

(2) O erro de atribuir à C[onsciênci]a qualidades que pertencem apenas à realidade: — a mera afirmação, em aparência de todo incontrovertível, de que a C[onsciênci]a existe. Não temos direito racional a afirmá‑lo. O que podemos afirmar sem erro é que a Consciência é a Consciência; mais nada.

                                *

«Toda a filosofia dos místicos cai por este alçapão».

                                *

Os 6 erros da filosofia metafísica:

1. Atribuir à C[onsciênci]a as «qualidades» da R[ealidade].

2. Atribuir à C[onsciência] as «qualidades» da I[ndividualidade].

3. Atribuir à R[ealidade] as «qualidades» da C[onsciência].

4. Atribuir à [Realidade] as «qualidades» da I[ndividualidade].

5. Atribuir à I[ndividualidade] as «qualidades» da C[onsciência].

6. Atribuir à I[ndividualidade] as «qualidades» da [Realidade].

                                *

A essência da filosofia platónica consiste em cindir a «Realidade» em duas partes: as coisas sensíveis, isto é, as que caem sob a percepção dos sentidos, e que constituem a Matéria, aquilo que é composto de partes, e que é mutável, perecível e concreto; e as coisas inteligíveis, isto é, as que caem sob a percepção da Inteligência, e que são as ideias e as noções, aquilo que se não compõe de partes, que é imutável, imperecível, e abstracto. É sobre estes alicerces que Platão e os platonistas erguem a diversidade semelhante dos seus sistemas idealistas. Escusamos de os seguir nos seus vários caminhos, que partem em leque deste ponto de origem. Basta que, em um traço, verifiquemos o erro fundamental do sistema‑fonte . Ele consiste (esse erro) em atribuir às ideias abstractas as qualidades que a Experiência nota nas coisas concretas, em ligar à Consciência os atributos da Realidade. Mas não é bem à Consciência que a atribuição é feita. É a elementos da Consciência com carácter já de entidades, ou entes, exteriores. O processo aqui é mais complexo se bem que ceda sem consistência a uma análise que o aperte.

A Individualidade — toda a Individualidade — contém 3 elementos: (1) a individualidade propriamente dita; (2) a (re)presentação individual da Realidade — isto é, a Realidade passada através do sistema nervoso individual; (3) a abstracção — isto é, o trabalho que a individualidade faz sobre esses elementos presentativos, quer dizer, a Realidade passada através do sistema nervoso superior .

1916?

Textos Filosóficos . Vol. I. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968 (imp. 1993).

 - 32.