Proj-logo

MultiPessoa

LABIRINTO · PESSOANA · VÍDEO · JOGOS · INFO

Fernando Pessoa

2. Identidade

Pessoa é em si muitas almas diversas e estranhas.
[ilustração: Júlio Pomar. Desenho de Pessoa.
] anterior seguinte
«Sou minha própria paisagem, não sei sentir-me onde estou.»

Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem achei.

De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem,

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo

Como páginas, meu ser

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo: «Fui eu?»

Deus sabe, porque o escreveu.

24-8-1930

Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).

 - 48.