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Poética

8. Sensacionismo

Dos vários “ismos” criados por Pessoa, o Sensacionismo é o mais desenvolvido, na teoria e na prática...
[ilustração: Almada Negreiros (1893-1970). Retrato de Fernando Pessoa. Pintura. 1964. Col. F.C.G.
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«O sensacionismo afirma que a sensação é a única realidade para nós.»
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O Sensacionismo rejeita do Classicismo a noção — na verdade mais característica dos discípulos modernos dos escritores pagãos do que deles propriamente — de que todos os assuntos devem ser tratados no mesmo estilo, no mesmo tom, com a mesma linha exterior a delinear-lhes a forma. O Sensacionista não concorda em que uma obra de arte haja sempre de ser simples, porque há sentimentos e conceitos que, de sua natureza complexos, não são susceptíveis de expressão simplificada, sem que com essa expressão se traiam. Há certos conceitos profundos, certos sentimentos vagos que são, por certo, susceptíveis de tal tratamento literário; mas não são todos os sentimentos nem todos os conceitos. O sensacionista discorda, em seguida, da atitude clássica pela limitação da sua visão das coisas. A preocupação da visão nítida é, como a preocupação da expressão simplificada, por vezes um erro estético. Nem tudo é nítido no mundo exterior. O sensacionismo, finalmente, não aceita do classicismo a sua teoria basilar — a de que a intervenção do temperamento do artista deve ser reduzida ao mínimo. Interpreta o princípio estético que serve de base a tal afirmação, mas que em tal afirmação se encontra desvirtuado, de outro modo, do modo como ele deve ser interpretado. O artista interpreta através do seu temperamento, não no que esse temperamento tem de particular, mas no que ele tem de universal, ou universalizável. Isto é diferente de eliminar o factor temperamental tanto quanto possível, como os clássicos ferrenhos querem ou procuram; o artista deve, pelo contrário, acentuar muito o factor temperamental (embora em certos assuntos mais do que em outros), curando porém de que não sejam os lados inuniversalizáveis desse factor que utilize.

O Sensacionismo rejeita, do Romantismo, a sua teoria básica do «momento de inspiração». Não crê que a obra de arte deva ser produzida rapidamente, por um jacto, a não ser que o artista haja conseguido (como alguns de facto conseguem) de tal modo ter o espírito disciplinado que a obra nasça construindo-se.

Do Simbolismo rejeita a exclusiva preocupação do vago, a exclusiva atitude lírica, e, sobretudo, a subordinação da inteligência à emoção, que deveras caracteriza aquele sistema estético.

Do classicismo aceita a Construção, a preocupação intelectual.

Do romantismo aceita a preocupação pictorial, a sensibilidade simpatética, sintética perante as coisas.

Do simbolismo aceita a preocupação musical, a sensibilidade analítica; aceita a sua análise profunda dos estados de alma, mas procura intelectualizá-la.

1916?

Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.

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