Poética
6. Interseccionismo
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«Intersecção de uma paisagem consigo própria, operando nela a intersecção do estado de alma de quem a contempla.»
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Assim nós temos:
a) intersecção duma paisagem com um estado de alma, concebido como tal.
b) intersecção duma paisagem com um estado de alma que consiste num sonho.
c) intersecção duma paisagem com outra paisagem (simbólica esta dum estado de alma — como, por exemplo, «dia de sol» de alegria).
d) intersecção duma paisagem consigo própria, operando nela divisão o estado de alma de quem a contempla. Por exemplo: cheio de tristeza contemplo uma paisagem; essa paisagem tem, a par de detalhes alegres, detalhes tristes; espontaneamente o meu espírito escolhe os detalhes tristes (é claro que, em certos estados de tristeza pode escolher os detalhes alegres, mas isso vem a dar no mesmo para a demonstração). Assim dou aos detalhes tristes da paisagem uma importância exagerada; eles passam a formar como que uma segunda paisagem sobreposta ao conjunto da outra, da paisagem real, ou na sua totalidade, ou no seu conjunto menos os detalhes exagerados. Aqui o meu estado de espírito deixa de ser sentido como interior, como paisagem interior mesmo, para ser sentido apenas como perturbação da paisagem exterior.
Tem havido, em diversos autores anteriores a nós, certas intuições interseccionistas. Isto de Léon Dierx, por exemplo, é uma intuição do interseccionismo, onde há ainda imperfeição, porque não há simultaneidade dada, mas simultaneidade dada como sucessão. Francamente interseccionista é este trecho do imagista F. S. Flint (...)
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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