Poética
7. Literatura cosmopolita
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«O sensacionismo, de que é chefe A. Caeiro, e o paùlismo, cujo representante principal é F. Pessoa.»
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MODERNAS CORRENTES NA LITERATURA PORTUGUESA
Em todas as épocas e em todos os países debatem-se, uma contra a outra, duas correntes, uma nacional e outra cosmopolita. Talvez fosse mais justo chamar à primeira não já nacional mas tradicionalista, porquanto, em países onde não esteja ainda estabelecida uma corrente nacional, isto é, onde ainda não se saiba o que é um sentimento nacional, esta corrente vira-se para um passado qualquer — o clássico, por exemplo. Assim, no tempo da Rainha Isabel em Inglaterra, a corrente clássica representada por Ben Jonson é que é tradicionalista porque se vira para os ideais artísticos de Grécia e Roma; a corrente representada por Shakespeare é a cosmopolita porque se entrega a si própria, e como entregar-se a si própria é entregar-se às influências do momento, e como as influências profundas do
momento são comuns a todas as nações (mais ou menos) nesse tempo, segue que essa corrente é fatalmente o que se pode chamar cosmopolita.
Em Portugal hoje debatem-se duas correntes, antes não se debatem por enquanto, mas em todo o caso a sua existência é antagónica.
Uma é a da Renascença Portuguesa, a outra é dupla, é realmente duas correntes. Divide-se no sensacionismo, de que é chefe o sr. Alberto Caeiro, e no paùlismo, cujo representante principal é o sr. Fernando Pessoa. Ambas estas correntes são antagónicas àquela que é formada pela Renascença Portuguesa. Ambas são cosmopolitas, porquanto cada qual parte de uma das duas grandes correntes europeias actuais. O sensacionismo prende-se à atitude enérgica, vibrante, cheia de admiração pela Vida, pela Matéria e pela Força, que tem lá fora representantes com Verhaeren, Marinetti, a Condessa de Noailles e Kipling (tantos géneros diferentes dentro da mesma corrente!); o paùlismo pertence à corrente cuja primeira manifestação nítida foi o simbolismo. Ambas estas correntes tem entre nós este igual característico em relação ao seu ponto de partida e que é para nos orgulharmos — de que são avanços enormes nas correntes em que se integram. O sensacionismo é um grande progresso sobre tudo quanto lá fora na mesma orientação se faz. O paùlismo é um enorme progresso sobre todo o simbolismo e neo-simbolismo de lá fora.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
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