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Poética

18. Controvérsia

Campos e Reis divergem quanto à definição de poesia.
[ilustração: Santa Rita Pintor. «Decomposição Dinâmica de uma Mesa». 1912. in Orpheu 2, 1915.
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Campos: «É isto a poesia: cantar sem música». Reis: «Quanto mais fria a poesia, mais verdadeira.»
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[Controvérsia entre Álvaro de Campos e Ricardo Reis]

A poesia é aquela forma da prosa em que o ritmo é artificial. Este artifício, que insiste em criar pausas especiais e antinaturais diversas das que a pontuação define, embora às vezes coincidentes com elas, é dado pela escrita do texto em linhas separadas, chamadas versos, preferivelmente começadas por maiúsculas, para indicar que são como que períodos absurdos, pronunciados separadamente. Criam-se, por este processo, dois tipos de sugestões que não existem na prosa — uma sugestão rítmica, de cada verso por si mesmo, como pessoa independente, e uma sugestão acentual, que incide sobre a última palavra do verso, onde se pausa artificialmente, ou sobre a única palavra se há uma só, que assim fica em isolamento que não é itálico.

Mas pergunta-se: porque há-de haver ritmo artificial? Responde-se: porque a emoção intensa não cabe na palavra: tem que baixar ao grito ou subir ao canto. E como dizer é falar, e se não pode gritar falando, tem que se cantar falando, e cantar falando é meter a música na fala; e, como a música é estranha à fala, mete-se [?] a música na fala dispondo as palavras de modo que contenham uma música que não esteja nelas, que seja pois artificial em relação a elas. É isto a poesia: cantar sem música. Por isso os grandes poetas líricos, no grande sentido do adjectivo «lírico», não são musicáveis. Como o serão, se são musicais?

Ricardo Reis:

Diz Campos que a poesia é uma prosa em que o ritmo é artificial. Considera a poesia como uma prosa que envolve música, donde o artifício. Eu, porém, antes diria que a poesia é uma música que se faz com ideias, e por isso com palavras. Considerai que será o fazerdes música com ideias, em vez de com emoções.

Com emoções fareis só música. Com emoções que caminham para as ideias, que se agregam ideias para se definir, fareis o canto. Com ideias só, contendo tão somente [?] o que de emoção há necessariamente em todas as ideias, fareis poesia. E assim o canto é a forma primitiva da poesia, porque é o caminho para ela [var.: não é a primeira forma da poesia, senão o caminho para ela].

Quanto mais fria a poesia, mais verdadeira. A emoção não deve entrar na poesia senão como elemento dispositivo do ritmo, que é a sobrevivência longínqua da música no verso. E esse ritmo, quando é perfeito, deve antes surgir da ideia que da palavra. Uma ideia perfeitamente concebida é rítmica em si mesma; as palavras em que perfeitamente se diga não têm poder para a apoucar. Podem ser duras e frias: não pesa — são as únicas e por isso as melhores. E, sendo as melhores, são as mais belas.

De nada serve o simples ritmo das palavras se não contém ideias. Não há nomes belos, senão pela evocação que os torna nomes. Embalar-se alguém com os nomes próprios de Milton é justo se se conhece o que exprimem, absurdo se se ignora, não havendo mais que um sono do entendimento, de que as palavras são o torpor.

9-4-1930

Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996.

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