Heteronímia
15. Classicismo
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«A obra de Ricardo Reis, profundamente triste, é um esforço disciplinado para obter uma calma qualquer.»
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Resume-se num epicurismo triste toda a filosofia da obra de Ricardo Reis. Tentaremos sintezá-la.
Cada qual de nós — opina o Poeta — deve viver a sua própria vida, isolando-se dos outros e procurando apenas, dentro de uma sobriedade individualista, o que lhe agrada e lhe apraz. Não deve procurar os prazeres violentos, e não deve fugir às sensações dolorosas que não sejam extremas.
Buscando o mínimo de dor ou [...], o homem deve procurar sobretudo a calma, a tranquilidade, abstendo-se do esforço e da actividade útil.
Esta doutrina, dá-a o poeta por temporária. É enquanto os bárbaros (os cristãos) dominam que a atitude dos pagãos deve ser esta. Uma vez desaparecido (se desaparecer) o império dos bárbaros, a atitude pode então ser outra. Por ora não pode ser senão esta.
Devemos buscar dar-nos a ilusão da calma, da liberdade e da felicidade, coisas inatingíveis porque, quanto à liberdade, os próprios deuses — sobre que pesa o Fado — a não têm; quanto à felicidade, não a pode ter quem está exilado da sua fé e do meio onde a sua alma devia viver; e quanto à calma, quem vive na angústia complexa de hoje, quem vive sempre à espera da morte, dificilmente pode fingir-se calmo. A obra de Ricardo Reis, profundamente triste, é um esforço lúcido e disciplinado para obter uma calma qualquer.
Tudo isto se apoia num fenómeno psicológico interessante: numa crença real [?] e verdadeira nos deuses da Grécia antiga, admitindo Cristo [...] como um deus a mais, mas mais nada — ideia esta de acordo com o paganismo e talvez em parte inspirada pela ideia (puramente pagã) de Alberto Caeiro de que o Menino Jesus era «o deus que faltava.»
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996.
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