Heteronímia
13. Entrevista
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«Sou mesmo o primeiro poeta que se lembrou que a natureza existe.»
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ENTREVISTA COM A[LBERTO] C[AEIRO]
Entre as muitas sensações de arte que devo a esta cidade de Vigo, sou-lhe grato pelo encontro que aqui acabo de ter com o nosso mais recente, e sem dúvida o mais original, dos nossos poetas.
Mão amiga me havia mandado desde Portugal, para suavização talvez, do meu exílio, o livro de Alb[erto] Caeiro. Li-o aqui, a esta janela, como ele o quereria, tendo diante dos meus olhos extasiados o (...) da baía de Vigo. E não posso ter senão por providencial que um acaso feliz me proporcionasse, tão cedo empós a leitura, travar conhecimento com o poeta glorioso.
Apresentou-nos um amigo comum. E à noite, ao jantar, na sala (...) do Hotel (...), eu tive com o poeta esta conversa, que eu ansiei poder converter-se em entrevista.
Eu dissera-lhe da minha admiração perante a sua obra. Ele escutára-me como quem recebe o que lhe é devido, com aquele orgulho espantoso e fresco que é um dos maiores atractivos do homem, por quem, de supor é, lhe reconheça o direito a ele. E ninguém mais do que eu lho reconhece. Extraordinariamente lho reconhece.
Sobre o café a conversa pôde intelectualizar-se por completo. Consegui levá-la, sem custo, para um único ponto, o que me interessava, o livro de Caeiro. Pude ouvir-lhe as opiniões que transcrevo, e que, não sendo, claro é, toda a conversa, muito representam, contudo, do que se disse.
O poeta fala de si e da sua obra com uma espécie de religiosidade e de natural elevação que, talvez, noutros com menos direitos a falar assim, parecessem francamente insuportáveis. Fala sempre com frases objectivas, excessivamente sintéticas, censurando ou admirando (raro admira, porém) com absolutismo, despoticamente, como se não estivesse dando uma opinião, mas dizendo a verdade intangível.
Creio que foi pela altura em que lhe disse da minha desorientação primitiva em face da novidade do seu livro que a conversa tomou aquele aspecto que mais me apraz transcrever aqui.
O amigo que me enviou o seu livro disse-me que ele era renascente, isto é, filiado na corrente da R[enascença] P[ortuguesa] mas eu não creio...
- E faz muito bem. Se há gente que seja indigna [?] da minha obra é essa.
O seu amigo insultou-me sem me conhecer comparando-me a essa gente. Eles
são místicos. Eu o menos que sou é místico. Que há entre mim e eles? Nem
o sermos poetas, porque eles o não são. Quando leio Pascoaes farto-me de rir.
Nunca fui capaz de ler uma coisa dele até ao fim. Um homem que descobre
sentidos ocultos nas pedras, sentimentos humanos nas árvores, que faz gente dos montes e das madrugadas (...)É como um idiota belga dum Verharen, que um amigo meu, com quem fiquei mal por isso, me quis ler. Esse então é inacreditável.
- A essa corrente pertence, penso, a Or[ação] à L[uz] de Junqueiro.
- Nem poderia deixar de ser. Basta ser tão má. O Junqueiro não é um poeta. É um [...] de frases. Tudo nele é ritmo e métrica. A sua religiosidade é uma coisa. A sua admiração da natureza é outra coisa. Pode alguém tomar a sério um tipo que diz que é (...) da luz misteriosa juntinho ao altar de Deus. Isto não quer dizer nada. É com coisas que não querem dizer nada, excessivamente nada, que as pessoas têm feito obra até agora. É preciso acabar com isso.
- E João de Barros?
- Qual? O contemporâneo... A personagem não me interessa. Detesto-a, como o futuro e o destino. A única coisa boa que há em qualquer pessoa é o que ela não sabe.
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
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