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Ocultismo

22. Quinto Império

A interpretação inicial dos cinco impérios remonta ao Velho Testamento.
[ilustração: «Quinto Império». Augusto Ferreira Gomes. Lisboa: Parceria, 9134.
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«A universalização da civilização europeia é forçosamente o mister do Quinto Império.»
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Bandarra

A interpretação inicial dos cinco impérios, que é que está em o Velho Testamento, é [...]. Por esta interpretação, ingénua nos seus preconceitos, e rudimentar na sua forma, concebe-se o império sob a forma exclusiva e material de império de conquista. É de presumir que o Quinto Império, esperado neste esquema profético, fosse o Império Hebreu, por isso que os profetas o eram, e, dada a ingenuidade da sua visão, era natural que caíssem no erro egocêntrico comum a todos os profetas que profetizam com intenção.

Esta divisão dos cinco impérios, ou, antes, dos quatro, por comparação com os quais se deduzirá o que deverá ser o quinto, peca, como disse, por ingénua. Temos, primeiro, que alargar o conceito de império; sem isso não é ele digno de se profetizar a respeito dele, ou, a profetizar-se, a profecia é estreita, nacional, quase sectária.

O império judeu é impossível porque a ideia de império (no seu alto sentido) é sincrética, ou, antes, é de um império sincrético — isto é, de uma império que resuma várias coisas, concentre várias influências, seja uma síntese e não uma simples extensão força. Por isso, e partindo da nossa civilização, adentro da qual estão os próprios judeus, que para a formação dela contribuíram — não predominantemente, porém somente como um elemento dela —, se formou a nova divisão dos quatro impérios, pela qual se possa deduzir, até certo ponto, a natureza e o carácter do quinto.

A divisão é: Império Grego (sintetizando todos os conhecimentos, toda a experiência dos antigos impérios pré-culturais); o Império Romano (sintetizando toda a experiência e cultura gregas e fundindo em seu âmbito todos os povos formadores, já ou depois, da nossa civilização); o Império Cristão (fundindo a extensão do Império Romano com a cultura do Império Grego, e agregando-lhe elementos de toda a ordem oriental, entre os quais o elemento hebraico); e o Império Inglês (distribuindo por toda a terra os resultados dos outros três impérios, e sendo assim o primeiro de uma nova espécie de síntese — fundindo a cultura grega, em nenhum lugar tão marcada como em Inglaterra, pois que Milton é o mais grego dos poetas modernos (quote M. Arnold) — a extensão e imperium dos romanos, a moral cristã, em parte alguma tão activa como nos países de língua inglesa, onde é máxima a actividade cristã, como se vê pelas seitas numerosíssimas que revelam essa especulação constante)... O Quinto Império, que necessariamente fundirá esses quatro impérios com tudo quanto esteja fora deles, formando pois o primeiro império verdadeiramente mundial, ou universal.

Este critério tem a confirmá-lo a própria sociologia da nossa civilização. Esta é formada, tal qual está hoje, por quatro elementos: a cultura grega, a ordem romana, a moral cristã, e o individualismo inglês. Resta acrescentar-lhe o espírito de universalidade, que deve necessariamente surgir do carácter policontinental da actual civilização. Até agora não tem havido senão civilização europeia; a universalização da civilização europeia é forçosamente o mister do Quinto Império.

Em geral concebe-se como cristão esse Império, e a ele se alude como, seguindo-se ao Reino de Anticristo, sendo a Segunda Vinda do Cristo. A hipótese, não emergindo necessariamente dos factos — nem dos sociológicos, nem dos proféticos — é contudo aceitável. Não a defenderemos; não a opugnaremos. Contra a primazia, neste ponto imperial, da religião cristã, tem-se oposto o igual direito a uma primazia, que podem invocar as religiões maometana, budista, e outras. Se, porém, o império universal, ou quinto império, há-de ter um carácter religioso, o que, não estando provado, é contudo provável, não é de supor que seja fora do cristianismo. Das duas outras religiões, que poderiam concorrer a esse império maior, a maometana é estreita. A budista, sobretudo na forma teosófica em que se tem espalhado, é mais aceitável como universal, pois, de facto, pretende ser não propriamente uma religião, senão o espírito de todas elas. Sucede, porém, que o budismo está fora do esquema moral da civilização europeia, dentro da qual se há-de dar, ainda que universalizando-se, a formação do quinto império. Qualquer que seja esse quinto império, há-de incluir e sintetizar os quatro que o precederam, pois assim foi cada um deles incluindo, e sintetizando os que vieram antes dele. Ora a cultura grega, a ordem romana, a moral cristã mesmo, em alguns dos seus pormenores, estão fora do esquema budista. De todas as religiões, só o cristianismo tem o preciso carácter sincrético: formado com a base da metafísica grega, distribuído com a base do imperialismo romano, construído já com um sincretismo que inclui as religiões orientais, incluindo aquelas de onde o budismo emergiu, o cristianismo absorverá ainda com facilidade o individualismo inglês, que veio depois, por isso que o cristianismo é essencialmente individualista, como a cultura grega, em que obscuramente se funda. O que não poderá ser é o cristianismo católico. Esse tornou-se incapaz de um sincretismo novo; nem poderia incluir o individualismo inglês, que lhe é

oposto, e que, como é o distintivo do quarto império, terá que entrar como elemento no quinto, dada a lei de formação dos impérios adentro de uma civilização.

Há a hipótese, que já foi posta, de uma religião nova. Que apareça uma religião nova, aceitamo-lo. Não o aceitamos, porém, adentro do esquema dos cinco impérios. Concedemos que possa ser depois, passados todos os cinco impérios e a nossa civilização também, pois supomos que não será eterna, visto que nada o é neste mundo. A morte do cristianismo, concedemos que se dê, porém fora dos nossos “tempos”. Será sem dúvida aquilo a que os profetas do nosso esquema chamam o “fim do mundo” ou o “juízo final”, dada a confusão que ordinariamente se estabelece no espírito do profeta entre o fim do que ele considera o mundo com o fim do próprio mundo. Já aludimos a este tipo de confusão, com o mesmo género de exemplo, quando houvemos de nos referir ao carácter do pensamento profético.

Aliás, este triunfo final do cristianismo encontra-se acentuado nas poucas profecias que temos sobre o assunto, e às quais podemos atribuir, no profeta, uma independência das suas próprias opiniões e desejos — único fundamento para tomar a profecia como profecia a valer, e não como expressão de um sonho próprio. Uma é a do verso de Nostradamo, posto no fim das centúrias para que se repare que se reporta ao fim das “coisas” — isto é, da civilização a que pertencemos.

Religion du nom des mers vaincra,

sendo que o cristianismo é a religião dos mares, governada pelo signo de Pisces, e nascido o seu fundador de Maria, que quer dizer “mares” em latim.

A outra é a profecia, ainda mais curiosa, de S. Francisco de Paula. Este diz que haverá uma “religião nova” — repare-se bem, “nova”— (Lusitanus torce inutilmente a frase, ao interpretá-la; se S. Francisco de Paula quisesse dizer uma religião velha para que havia de chamar-lhe nova?); mas essa religião será imposta ou desenvolvida por uns a quem chama “crucíferos”. O serem crucíferos indica que a religião é cristã, pois a cruz é o símbolo essencial do cristianismo (embora exista, porém, só acessoriamente, na simbologia de outras religiões); mas o ser a religião “nova” indica que não é cat61ica, pois para

S. Francisco de Paula, que era, claro está, cat61ico, um cristianismo não cat61ico é uma religião nova.

A profecia de Nostradamo é aceitável, por “imparcial”, pois assim são todas as profecias desse homem extraordinário; essas e as do Terceiro Corpo do nosso Bandarra. A profecia de S. Francisco de Paula é igualmente aceitável, pois é evidentemente “imparcial” a profecia de um católico que, embora involuntariamente, profetiza a queda da sua própria religião

s.d.

Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.

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