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Ocultismo

26. Último Sortilégio

«Este poema é uma interpretação dramática da ‘magia da transgressão’.»
[ilustração: Tempestade produzida por encantamento da feiticeira do tempo. Olaus Magnus, “Históra”, 1555.
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«Morra quem sou, mas quem me fiz e havia seja a morte de mim em que revivo.»
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O ÚLTIMO SORTILÉGIO

«Já repeti o antigo encantamento

E a grande Deusa aos olhos se negou.

Já repeti, nas pausas do amplo vento,

As orações cuja alma é um ser fecundo.

Nada me o abismo deu ou o céu mostrou.

Só o vento volta onde estou toda e só,

E tudo dorme no confuso mundo.

«Outrora meu condão fadava as sarças

E a minha evocação do solo erguia

Presenças concentradas das que esparsas

Dormem nas formas naturais das coisas.

Outrora a minha voz acontecia.

Fadas e elfos, se eu chamasse, via,

E as folhas da floresta eram lustrosas.

«Minha varinha, com que da vontade

Falava às existências essenciais,

Já não conhece a minha realidade.

Já, se o círculo traço, não há nada.

Murmura o vento alheio extintos ais,

E ao luar que sobe além dos matagais

Não sou mais do que os bosques ou a estrada.

«Já me falece o dom com que me amavam.

Já me não torno a forma e o fim da vida

A quantos que, buscando-os, me buscavam.

Já, praia, o mar dos braços não me inunda.

Nem já me vejo ao sol saudado erguida,

Ou, em êxtase mágico perdida,

Ao luar, à boca da caverna funda.

«Já as sacras potências infernais,

Que, dormentes sem deuses nem destino,

À substância das coisas são iguais,

Não ouvem minha voz ou os nomes seus.

A música partiu-se do meu hino.

Já meu furor astral não é divino

Nem meu corpo pensado é já um Deus.

«E as longínquas deidades do atro poço,

Que tantas vezes, pálida, evoquei

Com a raiva de amar em alvoroço,

Inevocadas hoje ante mim estão.

Como, sem que as amasse, eu as chamei,

Agora, que não amo, as tenho, e sei

Que meu vendido ser consumirão.

«Tu, porém, Sol, cujo ouro me foi presa,

Tu, Lua, cuja prata converti,

Se já não podeis dar-me essa beleza

Que tantas vezes tive por querer,

Ao menos meu ser findo dividi —

Meu ser essencial se perca em si,

Só meu corpo sem mim fique alma e ser!

«Converta-me a minha última magia

Numa estátua de mim em corpo vivo!

Morra quem sou, mas quem me fiz e havia,

Anónima presença que se beija,

Carne do meu abstracto amor cativo,

Seja a morte de mim em que revivo;

E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!»

s. d.

Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).

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1ª publ. in Presença , nº 29. Coimbra: Dez. 1930.