Proj-logo

MultiPessoa

LABIRINTO · PESSOANA · VÍDEO · JOGOS · INFO

Ocultismo

19. Maçonaria

Não sendo maçon, Pessoa defende a Ordem Maçónica.
[ilustração: Emblema maçónico.
] anterior seguinte
«A Maçonaria não é uma simples associação secreta mas uma ordem iniciática.»
pdf

Os argumentos contidos no meu artigo eram os seguintes:

1. "Tudo quanto de sério ou de importante se faz, faz-se em segredo; e, se as associações secretas são más por serem secretas, todos quantos decidem qualquer coisa sem ser em público, ou com plena publicidade ulterior, estão em igual estado de perversidade.

2. Aparentemente dirigido contra "associações secretas" em geral, o projecto de lei era realmente dirigido contra a Maçonaria.

3. A Maçonaria não é uma simples associação secreta mas uma ordem iniciática, e o seu segredo é o comum a todas as ordens iniciáticas, a todos os chamados Mistérios e a todas as iniciações, ainda que fora de Templo, isto é, directamente de Mestre a Discípulo.

4. Da conversão do projecto em lei adviriam três consequências: (a) coisa nenhuma, porque as ordens iniciáticas não se destroem de fora, nem há exemplo de haver vingado qualquer tentativa (e citei três) de as extinguir; (b) perseguição aos melhores maçons; (c) criação de uma corrente hostil contra nós no estrangeiro — e citei exemplos de idêntica hostilidade em casos de perseguição à Maçonaria —, no que nunca há vantagem, sobretudo para um país como o nosso — pequeno, fraco, com ambições constantes sobre as suas colónias.

5. À parte tudo isto, a Maçonaria não é maléfica nem daninha, e erros ou até "crimes" que porventura provadamente se lhe apresentem são ou: (a) provenientes da falibilidade humana, pois que a Maçonaria é composta de homens; ou (b) de circunstâncias de meio e época que a Maçonaria não criou e que nela influem, ou em certos sectores dela, como influem sobre toda a gente; e que (c) nas mesmas circunstâncias está qualquer outra instituição, secreta ou pública, que exista no mundo, como, por exemplo. a Igreja de Roma, cujos erros e crimes provados são quase sem número.

Fora da linha do argumento fiz também incidentalmente, e a um outro propósito, as seguintes afirmações, que não constituem argumento

6. O Sr. José Cabral e os anti-maçons são completamente ignorantes de assuntos maçónicos.

7. (a) Não sou maçon, nem pertenço a qualquer Ordem; (b) sou suficientemente conhecedor de assuntos maçónicos para deles poder confiadamente ocupar-me; (c) os meus conhecimentos maçónicos derivam-se, não da simples leitura de livros mas de certa "preparação especial", cuja natureza me não propunha, nem agora me proponho, indicar; (d) não sou anti-maçon; antes, através do meu estudo da Maçonaria, adquiri um conceito favorável dessa Ordem; (e) em virtude disso — não foi realmente só em virtude disso — vim defender a Maçonaria.

Finalmente:

8. Citei vários nomes de autoridades maçónicas e de maçons proeminentes ou célebres.

Os pontos numerados 6, 7 e 8 nada têm, evidentemente, que ver com o argumento. Se os menciono é porque sobre eles, ainda que nada tivessem para o caso, incidiram reparos vário s, aos quais desejo fazer referê ncia.

Tem o leitor diante de si, em forma que creio clara e precisa, o resumo do conteúdo do meu artigo, despido de incidentes de redacção e de estilo. Vejamos como se lhe respondeu.

Ao ponto (1) ninguém respondeu nem poderia responder: é, por assim dizer, automaticamente irrespondível.

Ao ponto (2), por geralmente admitido de parte a parte, ninguém opôs ou poderia opor a mais pequena observação. Bastava a origem do projecto — isto é, o seu autor, católico-romano e reaccionário, para ninguém supor que fosse um ódio abstracto ao secreto [,] um amor místico do pleno dia, que movesse o Sr. José Cabral a escrever e a apresentar o seu projecto de lei. O conteúdo deste, e do seu relatório, coincide aliás perfeitamente com o teor de uma moção votada em (...), em Braga em um congresso católico-romano. Em todo o caso, tive o cuidado de raciocinador de dizer no artigo que o projecto de lei era dirigido "total ou principalmente" contra a Maçonaria.

Para responder ao ponto 3 era mister provar qualquer das várias posições seguintes: (a) a Maçonaria não é uma Ordem iniciática; isto, que é falso, ninguém provou nem pode provar; (b) há Ordens iniciáticas que não são secretas; isto, que é falso, ninguém provou nem pode provar, pois não há iniciação, individual ou templar, que não seja secreta, visto que o ser ela secreta está na essência do mesmo conceito de iniciação; (c) a Maçonaria é secreta por outros motivos que o iniciático; isto, que é falso, seria ainda absurdo, pois, se a Maçonaria é já secreta por ser iniciática, escusa de ir buscar a outra parte o segredo que já tem; (d) as ordens iniciáticas são maléficas e ilegítimas, por serem iniciáticas, porque é maléfica e ilegítima toda a iniciação. — Este conceito, dogmático e gratuito, é exclusiva pertença da Igreja de Roma. Este argumento teria, porém, no trajecto, os seguintes desastres de viação. Atingiria os primitivos cristãos, pelo motivo já citado no meu artigo; e a Igreja de Roma declarar-se-ia implicitamente assente em bases de malefício e de ilegitimidade. Os opositores dos iniciados e dos herméticos nunca definiram, nem tentaram definir, o que é iniciação, não podendo declarar maléfico ou ilegítimo o que não sabem o que é. O que a Igreja de Roma pensa ou deixa de pensar não interessa ao Estado português, pois que está ainda em vigor a Lei de Separação, e as bulas ou encíclicas do Papa não são leis do País.

s.d.

Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.

 - 135.