Vida e Obra
28. Athena
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A revista «Athena» e o que nos afirmou Fernando Pessoa
Lançar uma revista de arte num meio acanhado como o nosso, onde quasi todas as tentativas literárias e artísticas falham por falta de auxílio do público, é, já por si, digno de admiração, pelo que tem de arrojado.
Fernando Pessoa, artista original e interessante que rapidamente se distinguiu dentre a multidão de escritores da sua geração, acaba de lançar, com Ruy Vaz, outro artista de valor, uma nova revista de arte. Quisémos ouvi-lo sobre a sua interessante iniciativa:
- A que veio a «Athena»?
- Dar ao público português, tanto quanto possível, uma revista puramente de arte, isto é, nem de ocasião e início como o «Orfeu», nem quase de pura decoração, como a admirável «Contemporânea».
- Mas em que é que consiste uma revista "puramente de arte"?
- Há três públicos - um que vê, outro que lê, outro que não há. O primeiro é composto da maioria, o segundo da minoria, o terceiro de indivíduos. O primeiro quer ver, o segundo quer conhecer, o terceiro quer compreender. Uma revista "puramente de arte" é feita para o público que "compreende" a arte, e, ao mesmo tempo, para que os públicos que a não compreendem, compreendam, um que ela tem que compreender, o outro que ela poderá ser compreendida, visto que há quem a compreenda.
- E isso como se faz?
- Fazendo-se. Exclui-se, primeiro, o critério de homogeneidade (escola ou corrente); assim se acentua e se ensina que a arte é essencialmente multiforme, o que é uma das primeiras coisas que tem que aprender muita gente que já o sabe. nas estampas da primeira «Athena» verá reproduções de arte de um clássico, de um romântico, de um contemporâneo. Na parte literária, igual diversidade se busca, como se vê e verá. Depois...
- Depois?
- Exclui-se o critério de fragmentação (amostras e retalhos): não se publicam nem trechos esteticamente compreensíveis só como fragmentários - isto é, incompreensíveis - nem poucas produções de um autor para cuja compreensão sejam precisas muitas. É em obediência e este critério que a primeira «Athena» insere nada menos que onze reproduções de quadros do Visconde de Menezes, e nada menos que o primeiro livro, inteiro, das «Odes» de Ricardo Reis. Por fim...
- Por fim?
- Exclui-se o critério de não dar novidade nenhuma. Em igualdade estética, preferimos o autor desconhecido ao conhecido, o obscuro ao que sofreu publicidade, e, de autores conhecidos, os novos aos velhos, aspectos da sua obra. Tomáramos nós poder, em todos os números, aliar à novidade da obra a revelação do artista!
- A separação "tranchée", entre a parte literária e a artística, obedece a algum critério especial?
- Obedece a um critério especial, que é o geral. As revistas para se ler, ou não têm gravuras ou só as têm que ilustrem o texto. As revistas para se ver, têm as gravuras alheias ao texto e cortando-o, porque não são para se ler. As revistas para se compreender separam rigorosamente os seus elementos, e portanto, as estampas do texto impresso. Assim se faz na «Athena»: é que ela é uma revista para se compreender, isto é, é a revista que é, e não a revista que não é. para compreender, dividem-se os assuntos, como para vencer se divide o inimigo.
- É então uma revista com orientação?
- Mais: é uma revista com orientadores. E, se quiser isto dito de outro modo, ponhamo-lo do mesmo modo: é uma revista não só com directores mas também com direcção.
- Bem. E o que julga que será o futuro da «Athena»?
- Não fui consultado para a criação do sistema do universo: não é natural que o seja para aquela pequena parte do futuro dele, que é o futuro desta revista. Ruy Vaz e eu faremos por que ela "mereça"; o resto é com o Destino.