Proj-logo

MultiPessoa

LABIRINTO · PESSOANA · VÍDEO · JOGOS · INFO

Vida e Obra

22. Ultimatum

Em 1917, Campos publica o seu Ultimatum, um manifesto virulento contra os “mandarins da Europa” e do mundo.
[ilustração: Álvaro de Campos. «Ultimatum.» in Portugal Futurista, 1917.
] anterior seguinte
pdf

Ultimatum, de Álvaro de Campos, foi publicado no primeiro e (pelo menos até à data) único número de Portugal Futurista, publicação literária cuja natureza vem suficientemente expressa no título, que não carece de tradução.

Tendo escapado à censura por qualquer inexplicável golpe de sorte, esta desapareceu quando alguém chamou para Ultimatum a atenção das autoridades já depois de a revista se encontrar nos escaparates das livrarias. Portugal Futurista foi imediatamente apreendido pela Polícia e instaurado processo contra todos os escritores que colaboraram. Passou-se isto (cumpre explicar) durante o ministério democrático derrubado por Sidónio Pais na revolução de 5 de Dezembro de 1917. No entanto, é difícil imaginar como qualquer ministério, estando o país em guerra, poderia consentir na publicação de Ultimatum, que, original e magnífico como é, embora não germanófilo (pois é «anti» tudo, Aliados e alemães), contém insultos contundentes contra os Aliados, e bem assim contra Portugal e o Brasil, os próprios países aos quais, sem dúvida, «P. F.» se destinava.

Se traduzi Ultimatum, foi por ser bem a obra mais inteligente de literatura jamais saída da Grande Guerra. Podemos contemplar com espanto as suas teorias como indizivelmente excêntricas, podemos discordar da violência excessiva da invectiva introdutória, mas ninguém, julgo eu, pode deixar de confessar que o aspecto satírico é magnífico na sua justeza estudada de aplicação, e que o aspecto teórico, pensemos o que pensarmos acerca do valor das teorias, tem, pelo menos, os méritos raros da originalidade e da frescura.

São estas boas razões para traduzir Ultimatum, e a circunstância de, embora publicado desde Setembro de 1917, só agora eu o fazer é devida ao facto, que o manuseio da obra tornará evidente, de ser impossível tal publicação durante a guerra.

Resta dizer alguma coisa ao leitor inglês acerca da natureza da obra e acerca do autor. A tendência da obra é bem clara -- insatisfação ao ante a incapacidade construtiva característica da nossa época, em que não surgiu nenhum grande poeta, nenhum grande estadista, nem mesmo, bem vistas as coisas, nenhum grande general. Falando acerca do Ultimatum dizia-me certa vez Álvaro de Campos: «Esta guerra é a dos pigmeus mais pequenos contra os pigmeus maiores. O tempo mostrará (foi isto dito em Janeiro de 1918) quais são os maiores e quais os mais pequenos, mas, de qualquer modo, são pigmeus». «Pouco importa quem ganha a guerra, pois será ganha, de certeza, por um imbecil. Pouco importa o que dela resultará, pois o que virá será seguramente imbecilidade. Já chegou a era da engenharia física (acrescentou ele caracteristicamente), mas estamos ainda longe da era da engenharia mental. Isto mostra a medida em que recuamos da civilização grega e romana, e o crime do Cristismo representa contra a substância da cultura e do progresso». «Esse sofista reles, o PresidenteWilson», disse-me em certa ocasião, «é o tipo e o símbolo do nosso tempo. Nunca disse nada de concreto na sua vida. Seria incapaz de dizer algo de concreto para salvar aquilo que, suponho, ele julga ser a sua alma».

São estas quase as palavras exactas, que, por haverem sido pronunciadas em inglês, é menos provável eu esquecer.

Álvaro de Campos nasceu em Lisboa em 13 de Outubro de 1890, e viajou muito pelo Oriente e pela Europa vivendo principalmente na Escócia.

1919?

Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996.

 - 409.

Trad.: Jorge Rosa