Portugal
19. Religião
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«O papel individual é destruir; o papel social é construir.»
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Se, como sociólogos, sabemos que qualquer civilização precisa de uma fé para viver, igualmente, como sociólogos, vemos que a fé cristã não é - ela mesma decadente - a que deve existir hoje. A sua decadência o indica. Portanto, fazemos trabalho salutar destruindo-a. Os povos construirão a fé que se lhe seguirá. D'isso não curemos nós; é difícil, senão impossível, antecipar qual a nova crença que uma sociedade adoptará, porque o indivíduo não pode abarcar o pensamento social senão limitada e com clareza, apenas negativamente.
O papel individual é destruir; o papel social é construir. Ataquemos pois o que sabemos velho, podre e decadente. A sociedade edificará depois o que haverá de lhe seguir. Destruir implica, socialmente, construir. Destruindo o velho, damos lugar ao novo, seja ele o que for. - É por isso que, sabendo nós que, actualmente, o c[ristianismo] é o velho, o decadente, a esterilidade e o inutil - nós, conquanto não saibamos claramente, nem nitidamente prevejamos o que se lhe seguirá, temos ainda assim a consciência de que, atacando o c[ristianismo] trabalhamos pela nova fé; que desviando [?] e tirando os escombros, preparamos o terreno para o edificio novo; que, arrancando as plantas que degeneraram em bravias, nós deixamos o lugar livre para a semente que germinará em planta, para, no fim, degenerar também em erva daninha, e ser arrancada por outros, para que outras plantas jovens nasçam, e assim indefinidamente e incompreensivelmente no suceder-se dos séculos, e em favor do mistério infinito.
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
- 66.Indicação preliminar: «Epílogo ao Jeschú ben Pandira».