Portugal
13. Iberismo
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«O espírito ibérico é a fusão do espírito mediterrânico com o espírito atlântico.»
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PROBLEMA IBÉRICO
(Depois de discutir os factos fundamentais do problema ibérico...)
Passemos agora a considerar quais são as circunstâncias internacionais, europeias, que de sua natureza se opõem à unidade espiritual da Ibéria.
Essas forças são de três ordens, e são, como acontece nestas coisas, representadas por três nações, cada uma das quais, em virtude da sua psique especial (quer racialmente tal, quer historicamente adquirida —conforme se queira, o que para o caso não importa), representa uma dessas forças.
A primeira nação inimiga da Ibéria é a Espanha — no sentido de a actual Espanha, Castela imperando antinaturalmente num agrupamento que não conseguiu absorver, porque não absorveu a Galiza nem a Catalunha. Mas é a Espanha não no sentido, de que já tratámos, de que a sua existência impede a formação da confederação ibérica esse ponto já foi tratado, quando versámos as dificuldades políticas, interiores, para a formação da confederação ibérica. Trata-se, agora que se está examinando o problema sob o ponto de vista internacional, não já da Espanha como conjunto político, mas da Espanha como espírito nacional.
(Antes: o espírito ibérico é uma fusão do espírito mediterrânico com o espírito atlântico, por isso as suas duas colunas são a Catalunha e o estado natural galaico-português. Castela (representando por este nome os estados intermédios, que Castela imperatriz de facto conseguiu harmonizar no seu espírito) é apenas região de troca e portanto de estabilização dessas duas influências limites. Não deve ter outro papel que uma espécie de fiel na balança das duas inclinações marítimas. Por isso, a ter papel preponderante (como o que já teve na história) esse papel é tudo quanto há de menos ibérico...).
Fortemente aristocrática na sua constituição espiritual, ferrenhamente católica no seu habitus moral, absurdamente tradicionalista no conjunto quotidiano dos seus usos e costumes, Castela apresenta-se como um elemento anteprejudicador de uma confederação, e como um elemento (e é isto que aqui importa) violador da nossa grande tradição árabe — de tolerância e de livre civilização. E é na proporção em que formos os mantenedores do espírito árabe na Europa que teremos uma individualidade à parte.
Assim o espírito castelhano é fundamentalmente inimigo, no seu espírito, da Ibéria. Mas estes característicos, que tornam Castela magnificamente incompetente para hegemonizar na Ibéria admiravelmente a dispõem para equilibrar as tendências (em outros sentidos excessivas) dos dois outros povos ibéricos. Por onde se vê que tudo se acha harmonizado pelo Destino para a futura confederação.
O segundo grande inimigo da Ibéria é a França. O espírito francês é o grande inimigo do espírito comum às populações ibéricas. Grande inimigo não só na sua constituição espiritual, senão também nos efeitos que tem tido para a degradação e decadência do autêntico espírito ibérico. Herdeira directa da tradição romana, no que ela tem de estreitamente grega, a França representa na Europa não um país criador (como a Itália de onde vem a arte, ou a Inglaterra, de onde nasce a política), mas um país distribuidor e aperfeiçoador dos elementos que os outros povos fornecem. Tão pouco criador é o espírito francês que, para obter a única ideia que dentro dele se realizou, teve de chamar um suíço, Jean-Jacques Rousseau, e para pôr fim magnificamente à anarquia que daí adveio, teve de descobrir um italiano, Buonaparte.
Lúcidos, completos no seu nível inferior, os franceses têm sido os corruptores da nossa civilização ibérica. O seu espírito romano, sem a força romana, é fundamentalmente inimigo do nosso espírito romano-árabe, ao mesmo tempo complexo e intenso, e disciplinado e rude.
O terceiro inimigo da Ibéria é a Alemanha. Mas aqui temos mais a temer o espírito alemão que a Alemanha propriamente dita. Estes herdaram o espírito romano na sua parte superior (ao contrário dos franceses que lhe herdaram a parte que já neles era secundária, porque basilarmente grega). Mas casaram-no com aquele curioso elemento de incompletidão que é distintivo dos bárbaros do Norte, que não sabem equilibrar duas coisas [...]
Nós, ibéricos, somos o cruzamento de duas civilizações — a romana e a árabe. Na França e na Alemanha a civilização romana existe sobreposta ao fundo original, sem outro influxo civilizacional. Somos, por isso, mais complexos e fecundos, de natureza, que a França ou Alemanha, que, quando tomarmos consciência da nossa ibericidade devem existir aproveitadamente no horizonte do nosso desprezo.
[... ]
Formado o Estado Ibérico, qual deve ser a sua orientação conjunta? Tripla: (1) o domínio espiritual das Américas do centro e do sul, e assim o imperialismo de cultura no Novo Mundo, (2) a conquista definitiva dos territórios do Norte de África, onde vi vem os homens nossos parentes, as raças árabes, berberes, [...]; (3) a destruição militar da França (e da Itália).
Assim as etapas que temos de atravessar para a fixação da Ibéria (da Ibéria como potência) são (no que revolucionárias):
(1) a queda da monarquia espanhola, e a dissolução da Espanha actual no que império;
(2) a destruição do predomínio da França no Ocidente da Europa, por meio do seu aniquilamento militar, dar-lhe, do outro lado, um outro 1870;
(3) a conquista do Norte de África — meta tradicional dos nossos maiores. E aqui, onde a França tem já lugar, novamente nos encontramos com a nossa inimiga tradicional. No que preparação (reforma) essas etapas são:
(1) a criação da tendência ibérica, da ibericidade espiritual;
(2) a reforma interior da República Portuguesa de modo que ela se encaminhe para o estado espiritual próprio desse estado; (a RP é actualmente um grupo ininteligente de gatunos e de assassinos. As palavras são curtas e duras, mas a simplicidade é aqui uma virtude. Não há perigo de o leitor não compreender. Não temos que alterar isto, temos que o substituir de dentro. Mas isso é outro problema, no seu conjunto. No que respeita ao problema ibérico basta que se aponte o que importa, como bastou apontar que é preciso que desapareça a monarquia espanhola, sem que indicássemos — porque o não sabemos — como convém preparar a sua queda).
(3) [...]
O que supremamente convém é criar, desde já, a ibericidade. Fazer tender todas as energias das nossas almas para um fim, por detrás de todos os fins imediatos que tenham. Esse fim é a Ibéria, a Ibéria como dona espiritual das Américas ibéricas (e não latinas), a Ibéria como senhora da África Setentrional, a Ibéria como destruidora do prestígio e predomínio francês. Vinguemos a derrota que os do Norte infligiram aos árabes nossos maiores. Expiemos o crime que cometemos, expulsando da península os árabes que a civilizaram.
A Rep. Port. vale não pelo que vale, mas pela direcção que envolve, que inconscientemente tem.
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.
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