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Portugal

15. Bandarra

O sapateiro Bandarra é o profeta da alma nacional, mais que Nª Srª de Fátima.
[ilustração: Joshua Benoliel (1873-1932). Romaria ao Senhor da Serra, em Belas (porm.). Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa.
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«Que Portugal tome consciência de si-mesmo. Ponha de parte Roma e a sua religião.»
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LIBERTEMOS O NACIONALISMO DOS SEUS AGREGADOS ESPÚRIOS

O verdadeiro patrono do nosso País é esse sapateiro Bandarra. Abandonemos Fátima por Trancoso.

Esse humilde sapateiro de Trancoso é um dos mestres da nossa alma nacional, uma das razões de ser da nossa independência, um dos impulsionadores do nosso sentimento imperial.

Esse Bandarra é a voz do Povo português, gritando, por cima da defecção dos nobres e dos clérigos, por cima da indiferença dos cautos e dos incautos, a existência sagrada de Portugal.

Quando António Vieira quis basear em qualquer coisa a sua fé natural nos destinos superiores da Pátria, que coisa foi a que encontrou? As profecias desse sapateiro de Trancoso Amou-as e as comentou o maior artista da nossa terra, o Grão-Mestre, que foi, da Ordem Templária de Portugal.

O Bandarra, símbolo eterno do que o Povo pensa de Portugal.

Que Portugal tome consciência de si mesmo. Que rejeite os elementos estranhos. Ponha de parte Roma e a sua religião. Entregue-se à sua própria alma. Nela encontrará a tradição dos romances de cavalaria, onde passa, próxima ou remota, a Tradição Secreta do Cristianismo, a Sucessão Super-Apostólica, a Demanda do Santo Graal. Todas essas coisas, necessariamente dadas em mistério, representam a verdade íntima da alma, a conversação com os símbolos, [...].

Citam-se quadras populares, melhores ou piores, como sendo a voz do Povo. A voz do Povo, porém, não falou nunca tão alto como na voz do Bandarra.

Quebrar com Roma. Quebrar com a ideia monárquica. Quebrar com a ideia de Pátria como entidade oposta a qualquer outra coisa neste mundo.

Quebremos com Roma. Deitemos fora esse fardo de trevas e de desalento que há séculos pesa, mais ou menos, sobre as nossas inteligências e sobre as nossas decisões.

Não precisamos dos sete montes de Roma: também aqui, em Lisboa, temos sete montes. Edifiquemos sobre estes a nossa Igreja. Deixemo-nos de importar Deus, porque Deus [...] esse nacionalismo inquinado de fé católica, esse patriotismo viciado de uma religião estranha.

O selvagem, que na África dos sertões sacrifica ao seu manipanso, o [...]— cada um está dizendo a mesma coisa, servindo-se da voz que tem. Todas as religiões são, afinal, uma só religião. Não importa o que crês, disse Carlyle, senão o como o crês. Mas já antes o Povo o dissera, em sua grande e simples linguagem — o nosso Povo: Deus escreve direito por linhas tortas.

Nunca eu pensaria em ir desviar um negro do seu manipanso, ou um índio ignorante do seu ídolo, porque, além de me não ter dado Deus a verdade, com que possa desmenti-los em seu culto, não sei se Deus não estará falando com eles mais apropriadamenteo por meio daqueles símbolos, do que eu lhes poderia falar

por meio de outros, que compreendo mas eles porventura não compreenderiam Repudio, por isso, tudo quanto seja missões religiosas, ou tudo quanto tente falar a um homem, como verdade, uma linguagem que ele não pode compreender.

Não queremos estrangeiros. No sentimento patriótico não deve existir elemento que não seja nosso. Expulsemos pois o elemento romano. Se há que haver religião em nosso patriotismo, extraiamo-la desse mesmo patriotismo. Felizmente temo-la: o sebastianismo.

s.d.

Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.

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