Obra Pública
32. Nós...
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«Orpheu acabou. Orpheu continua.»
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NÓS OS DE «ORPHEU»
Anunciou Almada, no segundo número de «SW», que neste terceiro se inseriria colaboração dos que foram de Orpheu. Cumpre-se.
Procurámos coordenar, Almada e eu, produções inéditas de quantos figuram literariamente na revista extinta e inextinguível a que ambos pertencemos. Excluídos, por motivo de estreiteza de tempo e largueza de distância, os dois colaboradores brasileiros — Ronald de Carvalho e Eduardo Guimarães — conseguimos que estivessem presentes todos os outros, com duas excepções, uma delas atenuada com o sacrifício do ineditismo.
De Ângelo de Lima, como nada descobríssemos de inédito, decidimos publicar aquele extraordinário soneto — dos maiores da língua portuguesa — em que o poeta descreve a sua entrada na loucura, em que longos anos viveu e em que morreu. O soneto, se não é inédito, está contudo esquecido. Publicando-o, não deixamos de, saudosamente, fazer lembrar quem, não sendo nosso, todavia se tornou nosso.
Nada porém foi possível incluir de Cortes-Rodrigues, que é directamente de Orpheu, e os poemas de cuja personalidade inventada, Violante de Cysneiros, são uma maravilha subtil de criação dramática. Neste caso a dificuldade foi, como no dos brasileiros, geográfica: estas produções foram coordenadas à pressa, Cortes-Rodrigues vive nos Açores. Aqui lhe deixamos, num abraço, a expressão da nossa camaradagem de sempre; e o perpetrador destas linhas, velho amigo seu, acrescenta a ela o desejo de que Cortes-Rodrigues se não embrenhe demasiado, como de há tempos se vai embrenhando, no catolicismo campestre, pelo qual facilmente se aumenta o número de vítimas literárias da pieguice fruste e asiática de S. Francisco de Assis, um dos mais venenosos e traiçoeiros inimigos da mentalidade ocidental.
Quanto ao mais, nada mais. Cá estamos sempre.
Orpheu acabou. Orpheu continua.
Textos de Crítica e de Intervenção . Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1980.
- 227.1ª publ. in “Sudoeste”, nº 3. Lisboa: Nov. 1935.