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Ricardo Reis

20. Justiça

A justiça não existe, tudo depende do destino.
[ilustração: Cerimónia da vitória celebrada por crianças. Mosaico romano (pormenor).
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«Bem ou mal, não terás o que mereces.»

Não sem lei, mas segundo leis diversas

Entre os homens reparte o fado e os deuses

        Sem justiça ou injustiça

Prazeres, dores, gozos e perigos.

Bem ou mal, não terás o que mereces.

Querem os deuses a isto obrigar

        Porque o Fado não tem

Leis nossas com que reja a sua lei.

Quem é rei hoje, amanhã escravo cruza

Com o escravo de ontem que é depois rei.

        Sem razão um caiu,

Sem causa nele o outro ascenderá.

Não em nós, mas dos deuses no capricho

E nas sombras p'ra além do seu domínio

        Está o que somos, e temos,

A vida e a morte do que somos nós.

Se te apraz mereceres, que te apraza

Por mereceres, não porque te o Fado

        Dê o prémio ou a paga

De com constância haveres merecido.

Dúbia é a vida, inconstante o que a governa.

O que esperamos nem sempre acontece

        Nem nos falece sempre,

Nem há com que a alma uma ou outra cousa espere.

Torna teu coração digno dos deuses

E deixa a vida incerta ser quem seja.

        O que te acontecer

Aceita. Os deuses nunca se rebelam.

Nas mãos inevitáveis do destino

A roda rápida soterra hoje

        Quem ontem viu o céu

Do transitório auge do seu giro.

17-11-1918

Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.

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