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Alberto Caeiro

22. Justiça

A injustiça é inevitável, tal como a morte.
[ilustração: Pedras. Foto L.A.
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«Aceito a injustiça como aceito uma pedra não ser redonda.»

Ontem o pregador de verdades dele

Falou outra vez comigo.

Falou do sofrimento das classes que trabalham

(Não do das pessoas que sofrem, que é afinal quem sofre).

Falou da injustiça de uns terem dinheiro,

E de outros terem fome, que não sei se é fome de comer,

Ou se é só fome da sobremesa alheia.

Falou de tudo quanto pudesse fazê-lo zangar-se.

Que feliz deve ser quem pode pensar na infelicidade dos outros!

Que estúpido se não sabe que a infelicidade dos outros é deles.

E não se cura de fora,

Porque sofrer não é ter falta de tinta

Ou o caixote não ter aros de ferro!

Haver injustiça é como haver morte.

Eu nunca daria um passo para alterar

Aquilo a que chamam a injustiça do mundo.

Mil passos que desse para isso

Eram só mil passos.

Aceito a injustiça como aceito uma pedra não ser redonda,

E um sobreiro não ter nascido pinheiro ou carvalho.

Cortei a laranja em duas, e as duas partes não podiam ficar iguais.

Para qual fui injusto — eu, que as vou comer a ambas?

s.d.

“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

 - 79.

1ª publ. in “Poemas Inconjuntos”. In Athena, nº 5. Lisboa: Fev. 1925.