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Alberto Caeiro

10. Filosofia

Caeiro tem como filosofia não ter filosofia.
[ilustração: Eduardo Nery. «Expectativa». Fotomontagem.
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«Sei que compreendo a natureza por fora, e não a compreendo por dentro.»

XXVIII

 

Li hoje quase duas páginas

Do livro dum poeta místico,

E ri como quem tem chorado muito.

 

Os poetas místicos são filósofos doentes,

E os filósofos são homens doidos.

 

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem

E dizem que as pedras têm alma

E que os rios têm êxtases ao luar.

 

Mas as flores, se sentissem, não eram flores,

Eram gente;

E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras;

E se os rios tivessem êxtases ao luar,

Os rios seriam homens doentes.

 

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios

Para falar dos sentimentos deles.

Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,

É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.

Graças a Deus que as pedras são só pedras,

E que os rios não são senão rios,

E que as flores são apenas flores.

 

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos

E fico contente,

Porque sei que compreendo a Natureza por fora;

E não a compreendo por dentro

Porque a Natureza não tem dentro;

Senão não era a Natureza.

s.d.

“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

 - 53.

“O Guardador de Rebanhos”. 1ª publ. in Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.